Uma banda desenhada não é uma banda sonora. Mas se a música pode despertar imagens, a força evocativa destes contos de Ana Cortesão (Lisboa, 1970) torna-os genuínas composições, algures entre o cáustico e o melancólico, entre o grito e a melodia. A crónica destes anos, aliás, não podia alhear-se dos sons da cidade nem das batidas da discoteca, do crepitar da televisão ou do arrastar dos fados. Sim, dos fados, porque é nesse teatro choroso das misérias, nesse cabaré onde as mulheres gritam desgraçadas, que mergulha raízes a feroz ironia deste trabalho. Ou não fosse o fado avô do underground. Longe de felicidades diurnas, todo o realismo é abjecto. Os corpos e as coisas são vistos através de qualquer coisa: um vidro de copo-de-três, de vapores etílicos, de espelhos raspados, de ecrãs, de lágrimas. Os corpos e as coisas são distorcidas, pelo tempo, pelos sentimentos, pela música.
Uma banda desenhada não é uma banda sonora. Mas se a música pode despertar imagens, a força evocativa destes contos de Ana Cortesão (Lisboa, 1970) torna-os genuínas composições, algures entre o cáustico e o melancólico, entre o grito e a melodia. A crónica destes anos, aliás, não podia alhear-se dos sons da cidade nem das batidas da discoteca, do crepitar da televisão ou do arrastar dos fados. Sim, dos fados, porque é nesse teatro choroso das misérias, nesse cabaré onde as mulheres gritam desgraçadas, que mergulha raízes a feroz ironia deste trabalho. Ou não fosse o fado avô do underground. Longe de felicidades diurnas, todo o realismo é abjecto. Os corpos e as coisas são vistos através de qualquer coisa: um vidro de copo-de-três, de vapores etílicos, de espelhos raspados, de ecrãs, de lágrimas. Os corpos e as coisas são distorcidas, pelo tempo, pelos sentimentos, pela música.