Um acontecimento real - as sucessivas mortes de pessoas provocadas por ataques de leões numa remota região do norte de Moçambique - é pretexto para Mia Couto escrever um surpreendente romance. Não tanto sobre leões e caçadas, mas sobre homens e mulheres vivendo em condições extremas. A Confissão da Leoa é bem um romance à altura de Terra Sonâmbula e Jesusalém, já conhecidos do leitor português.
«[...] Os nossos jovens colegas trabalhavam no mato, dormindo em tendas de campanha e circulando a pé entre as aldeias. Eles constituíam um alvo fácil para os felinos. Era urgente enviar caçadores que os protegessem. Os caçadores passaram por dois meses de frustração e terror, acudindo a diários pedidos de socorro até conseguirem matar os leões assassinos. Mas não foram apenas essas dificuldades que enfrentaram. De forma permanente lhes era sugerido que os verdadeiros culpados eram habitantes do mundo invisível, onde a espingarda e a bala perdem toda a eficácia. Aos poucos, os caçadores entenderam que os mistérios que enfrentavam eram apenas os sintomas de conflitos sociais que superavam largamente a sua capacidade de resposta. Vivi esta situação muito de perto. Frequentes visitas que fiz ao local onde decorria este drama sugeriram-me a história que aqui relato, inspirada em factos e personagens reais.»
«Tendo em conta os contornos da narrativa, atravessada por cosmogonias, lendas, crenças e sonhos premonitórios, havia o risco de Mia Couto cair em estereótipos – ou, pior ainda, nas armadilhas do realismo mágico. Felizmente, tal não acontece. A sua prosa mimetiza a paisagem e flui como o rio que atravessa a aldeia. Não há demasiados afloramentos líricos, nem o exagero de neologismos que saturava muitas das obras anteriores. Sobretudo, afigura-se subtil e inteligente o modo de empurrar o leitor para o verdadeiro tema deste romance, que não é a caça (essa “alucinada vertigem” que acontece nas “costas da razão”), nem o receio da força bruta animal ou a “gestão das coisas invisíveis”, mas a trágica e “infindável” guerra entre homens que sempre abusaram do seu poder e mulheres educadas para a renúncia.» José Mário Silva, Expresso
Um acontecimento real - as sucessivas mortes de pessoas provocadas por ataques de leões numa remota região do norte de Moçambique - é pretexto para Mia Couto escrever um surpreendente romance. Não tanto sobre leões e caçadas, mas sobre homens e mulheres vivendo em condições extremas. A Confissão da Leoa é bem um romance à altura de Terra Sonâmbula e Jesusalém, já conhecidos do leitor português.
«[...] Os nossos jovens colegas trabalhavam no mato, dormindo em tendas de campanha e circulando a pé entre as aldeias. Eles constituíam um alvo fácil para os felinos. Era urgente enviar caçadores que os protegessem. Os caçadores passaram por dois meses de frustração e terror, acudindo a diários pedidos de socorro até conseguirem matar os leões assassinos. Mas não foram apenas essas dificuldades que enfrentaram. De forma permanente lhes era sugerido que os verdadeiros culpados eram habitantes do mundo invisível, onde a espingarda e a bala perdem toda a eficácia. Aos poucos, os caçadores entenderam que os mistérios que enfrentavam eram apenas os sintomas de conflitos sociais que superavam largamente a sua capacidade de resposta. Vivi esta situação muito de perto. Frequentes visitas que fiz ao local onde decorria este drama sugeriram-me a história que aqui relato, inspirada em factos e personagens reais.»
«Tendo em conta os contornos da narrativa, atravessada por cosmogonias, lendas, crenças e sonhos premonitórios, havia o risco de Mia Couto cair em estereótipos – ou, pior ainda, nas armadilhas do realismo mágico. Felizmente, tal não acontece. A sua prosa mimetiza a paisagem e flui como o rio que atravessa a aldeia. Não há demasiados afloramentos líricos, nem o exagero de neologismos que saturava muitas das obras anteriores. Sobretudo, afigura-se subtil e inteligente o modo de empurrar o leitor para o verdadeiro tema deste romance, que não é a caça (essa “alucinada vertigem” que acontece nas “costas da razão”), nem o receio da força bruta animal ou a “gestão das coisas invisíveis”, mas a trágica e “infindável” guerra entre homens que sempre abusaram do seu poder e mulheres educadas para a renúncia.» José Mário Silva, Expresso