«Príncipe, os homens têm ao todo apenas dois instintos naturais, mas esses são infinitos: uma infinita sede de superstições, nas quais estão sempre dispostos a acreditar, e uma infinita neurose do cepticismo que os leva a duvidar da própria dúvida. São assim o Adão e a Eva da vida espiritual. É impossível combatê-los. Não há oração, não há desporto, não há faquirismo que possam expulsar, sequer atenuar estas duas realidades oriundas directamente da criação. Deus nunca quis que o homem triunfasse sobre uma lei natural, seria um absurdo, quer apenas vê-la canalizada, essa lei natural. Assim como o casamento canaliza as orgias báquicas, assim uma ortodoxia politizante deve canalizar o instinto da superstição e a orgia da dúvida. Política, problemas técnicos, tudo isso é apenas ortodoxia, burocratização de um apocalipse para o mundo exterior - a polis – ver. Mas tal não impede que os instintos sobrevivam: nas trevas desse grande sacramento que é o matrimónio, os demónios de línguas pendentes e ensanguentadas continuam a atacar.»
«(...) descobri outro autor magnífico, um húngaro chamado Miklós Szentkuthy, um tipo completamente louco que viveu todo o tempo do comunismo em casa, com uma biblioteca de 45 mil volumes, e que só escreveu um romance, chamado O Breviário de Santo Orfeu, em dez volumes. Eu publiquei três: A Margem de Casanova, Escorial e Primavera Negra.» Carlos da Veiga Ferreira, na altura editor da Teorema
«Príncipe, os homens têm ao todo apenas dois instintos naturais, mas esses são infinitos: uma infinita sede de superstições, nas quais estão sempre dispostos a acreditar, e uma infinita neurose do cepticismo que os leva a duvidar da própria dúvida. São assim o Adão e a Eva da vida espiritual. É impossível combatê-los. Não há oração, não há desporto, não há faquirismo que possam expulsar, sequer atenuar estas duas realidades oriundas directamente da criação. Deus nunca quis que o homem triunfasse sobre uma lei natural, seria um absurdo, quer apenas vê-la canalizada, essa lei natural. Assim como o casamento canaliza as orgias báquicas, assim uma ortodoxia politizante deve canalizar o instinto da superstição e a orgia da dúvida. Política, problemas técnicos, tudo isso é apenas ortodoxia, burocratização de um apocalipse para o mundo exterior - a polis – ver. Mas tal não impede que os instintos sobrevivam: nas trevas desse grande sacramento que é o matrimónio, os demónios de línguas pendentes e ensanguentadas continuam a atacar.»
«(...) descobri outro autor magnífico, um húngaro chamado Miklós Szentkuthy, um tipo completamente louco que viveu todo o tempo do comunismo em casa, com uma biblioteca de 45 mil volumes, e que só escreveu um romance, chamado O Breviário de Santo Orfeu, em dez volumes. Eu publiquei três: A Margem de Casanova, Escorial e Primavera Negra.» Carlos da Veiga Ferreira, na altura editor da Teorema