Com ilustrações de Manuel Macedo.
Conforme a 1ª edição (1874)
Inclui o texto “O que havia de poetas por aquela época, é coisa incalculável”
«Gostaria de convocar uma crónica de Júlio César Machado (1835-1890) porque estamos (no momento em que escrevo) em pleno tempo de Natal e porque o livro «Lisboa na rua» (Editora Frenesi) inclui uma excelente crónica deste autor na qual mistura de modo hábil e feliz o estilo da escrita com o sangue pisado da vida. Vejamos: «Há uma só coisa mais triste ainda do que uma gaiola sem pássaros e uma casa sem crianças: é uma criança sem mãe! Não é preciso ser órfão para compreender bem toda a amargura do destino dos que o são. Nós, todos, algumas vez, temos tido na vida a hora inconsolável de estarmos longe dos nosso e pesar-nos na alma a saudade da família – é calcular, por essa hora passageira, o que será o sempre! Quando depois da morte de meu pai em 1852, me determinei a não ir para a aldeia, onde minha mãe tem a sua casa, e ficar sozinho aqui a aprender o ofício das letras, ia a entrar o Inverno. As ventanias de Dezembro açoitavam as vidraças da janela do quarto onde eu morava. Estava pobre: sem pai, longe, muito longe da minha mãe; tinha dezasseis anos; rompera abertamente com A Dos Ruivos, o que equivalia a quebrar o passado e querer edificar o futuro no presente que me estremecia e estalava debaixo dos pés… Chegou a noite de Natal. Ouvi os sinos a chamarem para a missa do galo; vi da janela as ruas cheias de povo, que girava dum lado e do outro, muito contente, com os seus papeluchos de broas debaixo do braço… E como era a primeira vez que aquela noite, que sempre me fora alegre, me encontrava triste e só, sentado à mesa de trabalho com os livros por únicos amigos e únicos companheiros, conheci com que tristeza devem sentir-se neste mundo os que entram órfãos na vida…» Pode parecer extensa a citação mas vale a pena, trata-se de um texto de grande escritor.» José do Carmo Francisco, Transporte Sentimental
Com ilustrações de Manuel Macedo.
Conforme a 1ª edição (1874)
Inclui o texto “O que havia de poetas por aquela época, é coisa incalculável”
«Gostaria de convocar uma crónica de Júlio César Machado (1835-1890) porque estamos (no momento em que escrevo) em pleno tempo de Natal e porque o livro «Lisboa na rua» (Editora Frenesi) inclui uma excelente crónica deste autor na qual mistura de modo hábil e feliz o estilo da escrita com o sangue pisado da vida. Vejamos: «Há uma só coisa mais triste ainda do que uma gaiola sem pássaros e uma casa sem crianças: é uma criança sem mãe! Não é preciso ser órfão para compreender bem toda a amargura do destino dos que o são. Nós, todos, algumas vez, temos tido na vida a hora inconsolável de estarmos longe dos nosso e pesar-nos na alma a saudade da família – é calcular, por essa hora passageira, o que será o sempre! Quando depois da morte de meu pai em 1852, me determinei a não ir para a aldeia, onde minha mãe tem a sua casa, e ficar sozinho aqui a aprender o ofício das letras, ia a entrar o Inverno. As ventanias de Dezembro açoitavam as vidraças da janela do quarto onde eu morava. Estava pobre: sem pai, longe, muito longe da minha mãe; tinha dezasseis anos; rompera abertamente com A Dos Ruivos, o que equivalia a quebrar o passado e querer edificar o futuro no presente que me estremecia e estalava debaixo dos pés… Chegou a noite de Natal. Ouvi os sinos a chamarem para a missa do galo; vi da janela as ruas cheias de povo, que girava dum lado e do outro, muito contente, com os seus papeluchos de broas debaixo do braço… E como era a primeira vez que aquela noite, que sempre me fora alegre, me encontrava triste e só, sentado à mesa de trabalho com os livros por únicos amigos e únicos companheiros, conheci com que tristeza devem sentir-se neste mundo os que entram órfãos na vida…» Pode parecer extensa a citação mas vale a pena, trata-se de um texto de grande escritor.» José do Carmo Francisco, Transporte Sentimental